quinta-feira, 7 de abril de 2011

Cinza ou verde?

Revista Planeta Sustentável - SP - CIDADE - 06/04/2011

O cimento brasileiro é o mais sustentável do mundo. Num setor que responde por 5% das emissões globais de CO2, o título se deve ao fato de a indústria nacional gerar menos gases de efeito estufa durante a preparação do material

Giuliana Capello
Revista Arquitetura & Construção - 03/2011

A solução tem nome: as adições feitas ao clínquer, mistura de calcário e argila que serve de base ao produto. Altamente poluente, ela é obtida em fornos que chegam a até 2 mil °C. E os fabricantes presentes no Brasil ocupam o topo do ranking verde porque adotam, há décadas, a prática de diminuir o percentual de clínquer na receita do cimento, reduzindo a quantidade de gás carbônico lançada à atmosfera. "Desde os anos 50 produzimos o CP III, feito com até 70% de escória de siderúrgicas", conta Arnaldo Battagin, chefe dos laboratórios da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP). Temos ainda o CP IV, o qual leva de 15 a 50% de cinzas volantes geradas na queima do carvão em termelétricas, e o CP II composto, que contém escórias (CP II-E), cinzas volantes (CP II-Z) e calcário (CP II-F) em proporções entre 6 e 34%. "Boa parte das 71 fábricas nacionais usa adições, mas tudo depende da disponibilidade desses resíduos", diz José Otávio Carvalho, presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (Snic). Há ainda outras estratégias amigas do meio ambiente. "O parque industrial brasileiro é moderno, equipado com filtros capazes de reduzir a poluição. Além disso, a maioria das empresas substitui parte do combustível fóssil queimado nos fornos por biomassa ou lixo, como pneus usados", afirma Arnaldo. É o chamado coprocessamento, realizado por 37 das 47 fábricas nacionais que produzem clínquer.

Na ponta do lápis: o país emite, em média, 600 kg de CO2 por tonelada de cimento, bem abaixo da média mundial, que chega a 900 kg. E há quem melhore ainda mais essa cifra. "Com o coprocessamento, adições e uso de biomassa nos fornos, diminuímos para 430 kg", relata Carlos Eduardo de Almeida, diretor de assuntos corporativos da Holcim Brasil. Iniciativas pioneiras também começam a surgir. A unidade da Lafarge em Cantagalo, RJ, estabeleceu uma parceria com a prefeitura e usa todo o lixo urbano reciclável da cidade como combustível na produção. Já a Camargo Corrêa criou comitês de desenvolvimento comunitário para atuar em conjunto com as populações do entorno das fábricas. Jovens líderes locais são selecionados a fim de representar os moradores nas discussões que envolvam a relação com as comunidades. No cenário internacional, os principais grupos brasileiros integram o Cement Sustainability Initiative (CSI), entidade que reúne as 18 maiores cimenteiras do mundo e busca alternativas que proporcionem a redução das emissões de gás carbônico. "Nesse ponto, o Brasil é o país com o menor potencial, pois já avançou muito em sua lição de casa", afirma o presidente do Snic.

A arquiteta Diana Csillag, do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável ( CBCS ), observa: "Nossa indústria é referência mundial, porém ainda precisa haver ajustes na outra ponta, ou seja, na de quem consome o cimento e o concreto", ressalta. Segundo ela, nas pequenas obras ocorre muito desperdício e falta uma gestão eficiente do canteiro, além de projetos com estruturas esbeltas e racionais. "Muitas vezes, por desconhecimento técnico, elas são superdimensionadas. Gasta-se mais cimento do que o necessário", considera. O arquiteto paulista Tomaz Lotufo, pesquisador de técnicas e materiais sustentáveis, concorda. "Mesmo com bons percentuais de adições, que tornam o cimento menos agressivo, não dá para classificá-lo como um produto ecológico. Temos sempre de usá-lo com parcimônia, como se fosse uma tinta de ouro", defende. Para quem contrata um arquiteto ou engenheiro, Tomaz dá a dica: "Peça ao profissional que projete buscando baixo consumo energético. Isso deve estar à frente de uma exigência simplesmente estética". Optar pelos tipos de cimento com maior quantidade de adições (CP III e CP IV) também ajuda a transformar o antigo vilão em moço esforçado.

DE OLHO NO CIMENTO
? 5% das emissões globais de CO2 são geradas pela indústria cimenteira. No Brasil, o setor representa menos de 2% delas.
? 20 bilhões de toneladas de concreto foram utilizadas em todo o mundo em 2009. O produto é o segundo mais consumido pelo homem. Perde apenas para a água.
? 277 kg foi o consumo médio per capita de cimento no Brasil em 2009. Na China, esse número quase quadruplica.

A GEOGRAFIA DO SETOR
Quase todas as regiões são autossuficientes e os tipos com adições variam conforme a disponibilidade local de escórias, pozolanas (cinzas volantes) e fíler calcário (obtido da moagem do material).

NORTE
Produção: 2,1* (4%)
Consumo: 3,31 (6%)
Oferta com adições: CP II-F e CP IV

NORDESTE
Produção: 9,96 (19%)
Consumo: 10,1 (19%)
Oferta com adições: CP II-F, CP II-Z e CP IV

CENTRO-OESTE
Produção: 5,66 (11%)
Consumo: 5,08 (10%)
Oferta com adições: CP II-F e CP IV

SUDESTE
Produção: 26,15 (51%)
Consumo: 26,76 (48%)
Oferta com adições: CP III, CP II-E e CP II-F

SUL
Produção: 7,87 (15%)
Consumo: 8,68 (17%)
Oferta com adições: CP IV e CP II-F

*Em milhões de toneladas.

A SUA PARTE NESSA HISTÓRIA
Na hora de comprar e usar o cimento, vale a pena adotar alguns critérios. Vejas as dicas da arquiteta Diana Csillag:

? Escolha bons fabricantes: não existe sustentabilidade sem formalidade, legalidade e qualidade.
? Dê preferência a empresas com projetos reconhecidos de responsabilidade socioambiental.
? Priorize, sempre que possível, tipologias de cimento com menor percentual de clínquer, como o CP III e o CP IV.
? Exija do responsável por sua obra cuidados na execução e na gestão do canteiro para evitar excessos e desperdícios.